Histórias e trajectórias de consumidores ‘não problemáticos’ de drogas ilícitas - PhDData

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Histórias e trajectórias de consumidores ‘não problemáticos’ de drogas ilícitas

The thesis was published by Cruz, Olga, in September 2022, Universidade do Minho.

Abstract:

O objectivo central desta investigação é construir, indutivamente, um modelo
teórico para compreender de que modo certos utilizadores de drogas ilícitas conseguem
manter os seus consumos „não problemáticos‟. Com este estudo pretende contribuir-se
para uma intervenção mais efectiva na minimização de padrões „problemáticos‟ e para
um debate mais complexo sobre o fenómeno, reconhecendo a multiplicidade de tipos de
consumos e de consumidores. Tais propósitos, aliados ao parco conhecimento sobre
utilizações „não problemáticas‟ e ao carácter frequentemente „oculto‟ dos seus
protagonistas, justificam a opção por um design de investigação qualitativo.
Começaram por se realizar entrevistas em profundidade a uma amostra intencional,
diferenciando-se três grupos de consumidores: „não problemáticos‟ (n=9), „exproblemáticos‟
(n=6) e „problemáticos‟ (n=6). Com base nos resultados do primeiro
grupo construiu-se uma primeira versão da referida teoria, que foi, depois, enriquecida e
validada através de uma nova consulta a estes participantes e da triangulação de fontes
(entrevistas com outros grupos) e de metodologias (observação directa em contexto
natural do uso de substâncias psicoactivas). O acesso aos sujeitos foi conseguido com
uma estratégia do tipo snowball, tendo-se partido de informantes privilegiados. A
análise dos dados baseou-se nas propostas da grounded analysis (Glaser & Strauss,
1967; Strauss & Corbin, 1990/1998).
O material empírico obtido com as entrevistas aos três grupos e com a
observação é amplamente congruente entre si. Sucintamente, a sua integração sugere
que os consumos tendem a iniciar-se pela curiosidade sobre as drogas e pelas vivências
com consumidores, sobretudo por estes facilitarem o acesso às substâncias. Tal
iniciação tende a ocorrer com a cannabis, seguindo-se um período, mais ou menos
longo, de experimentação de outras drogas ilegais, sobretudo estimulantes e
alucinogéneos. De acordo com os resultados, a manutenção de um consumo „não
problemático‟ implica um processo constante de auto-regulação do uso das drogas que é
informado, desde logo, por características dos consumidores, como a sua capacidade de
auto-controlo. É-o também pela qualidade das experiências de consumo, já que os
indivíduos vão moldando a utilização das drogas em função delas. Em concreto, as experiências positivas, que proporcionam prazer e que são as mais comuns, contribuem
para a sua manutenção. Os aspectos negativos experienciados com certas substâncias,
apesar de insuficientes para a cessação dos consumos, contribuem para a sua adaptação,
num esforço de os evitar. Finalmente, algumas experiências realmente negativas com o
uso de certas drogas, ainda que mais raras, fazem com que aquelas não voltem a ser
usadas. Tal processo de auto-regulação é ainda informado pelas vivências com outros
consumidores, pois operam como importantes meios de aprendizagem sobre as drogas.
Além disso, envolve a ponderação constante da relação entre os custos e os benefícios
desta prática, o desenvolvimento de concepções de risco e, em função destas, a adopção
de cuidados de gestão dos consumos, ainda que, muitas vezes, de uma forma não
conscientemente pensada nem aplicada. Realçam-se os cuidados que se referem ao tipo
de substâncias usadas e à regularidade da sua utilização, pois é em torno destes que
tende a definir-se o padrão de consumo actual. Este padrão, que tende a perdurar alguns
anos e a não ser algo fugaz, envolve, em geral, o uso regular de canabinóides e a
utilização apenas ocasional de todas as outras drogas ilícitas, sobretudo estimulantes. Na
nossa amostra, estes e outros cuidados são desenvolvidos com o intuito de manter a
funcionalidade nas várias áreas de vida, o que envolve três sub-objectivos: (i) controlar
o consumo (através de cuidados relacionados com o tipo de drogas usadas, a
regularidade e frequência dos consumos e os seus contextos e circunstâncias); (ii)
preservar a imagem social e evitar o estigma (mediante cuidados relativos à ocultação
do uso de drogas, à gestão da sua aquisição e aos contextos e circunstâncias do
consumo); e (iii) obter efeitos positivos e evitar experiências desagradáveis (a partir de
cuidados associados às quantidades e ao tipo de substâncias usadas, aos contextos e
circunstâncias dos consumos e às vivências com outros consumidores).
Em conclusão, este trabalho revela a necessidade de encarar o consumo de
drogas ilegais em toda a sua complexidade e como um contínuo, desde um pólo
„problemático‟ a outro „não problemático‟. Sugere, também, a relevância de aprender
com este último tipo de experiências, de modo a potenciar consumos „responsáveis‟ e a
minorar padrões „problemáticos‟. Além disso, aponta para a importância de promover
estratégias de gestão dos prazeres e dos riscos, e de agir, inclusive através de pares, para
estimular o envolvimento dos consumidores nos esforços interventivos e a
concretização de um trabalho horizontal, dinâmico e em contexto natural.



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